quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Zzz

Tem gente que vive sonhando acordada. M. gosta mesmo é de sonhar dormindo. Sonhos tecidos pela sua inesgotável imaginação. Ela pode viver várias vidas sonhando. E os sonhos são tão intensos – e prazerosos – que ela não quer saber de acordar. E quando não tem mais jeito de continuar dormindo, levanta-se exausta de tanto sonhar. Seu travesseiro tem um bocado de história pra contar. Ela vive confundindo o que sonha à noite com a vida que acontece do lado de fora do sonho. Despertar pra ela é quase um pesadelo. Às vezes lá no fundo do seu sono escuta o despertador tocar e pensa que ainda falta muito sonho para ela acordar. Nos seus sonhos ela inventa um mundo inteirinho. Bem do jeito dela. E os seus desejos mais secretos se realizam quando ela está dormindo. M. também sonha de olho aberto. Quando vive uma outra natureza de sonho. E a matéria desse sonho é toda feita de ilusões. Ela enxerga a vida através da lente da imaginação: coleciona recortes de jornal com boas notícias, inventa soluções para os problemas do mundo e vive declamando sua alegricidade. É inadvertidamente feliz. Se tropeça em algum grande desafio, endireita os óculos cor de rosa, sacode a poeira da melancolia e segue em frente. Do lado de cá do sonho, ela cultiva pequenos e inocentes prazeres como atrasar o relógio pra vida passar mais devagar, andar na rua como se fosse personagem de um filme de antigamente e escutar conversas particulares como se fosse invisível. Mas a realidade não é tão sonhável assim. Nem sempre é bom existir fora da cama. Viver custa tanta alegria que às vezes ela levanta com vontade de pular o dia. Sua felicidade a desampara e ela volta a se refugiar no sonho sonhado à noite.

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