quinta-feira, 24 de outubro de 2013

A estrangeira

F. mora em seu próprio exílio. Ela vive do lado de dentro. É a solidão feita de gente. A vida passa e ela assiste da arquibancada. Vida dela tão vazia que parece um estádio depois de jogo de segunda divisão. Para passar o tempo ela coleciona cartões-postais dos lugares -tão bonitos - que nunca visitou, chora com os tristes fados que tocam na vitrola que era do avô, vive histórias de amor através das novelas que passam na TV e assiste a vida dos vizinhos pela janela, que ela abre só um pouquinho. Vai que em um descuido ao escancará-la, alguém resolve olhar para a dela? Vida essa que ela gasta tão pouco. Talvez esteja economizando para uma próxima... Ela tem mania de se confundir com os personagens dos filmes que assiste. Sente gozos e tormentos através dos Joões e Marias que vivem nos livros de sua prateleira, alimentando assim sua pouca fome de vida. Os filhos dos vizinhos crescem, casais de namorados se formam e se desfazem, o céu muda do azul para o cinza e F. não sai da janela. Não há soluções para o seu vazio: ela perdeu o último trem. Chegou atrasada para a própria vida.

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