quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Homem-invisível

Existir é coisa para poucos. Grande parte das gentes inexiste. P. vive pelas beiradas, anda na contramão do mundo. Sonho pra ele só o de padaria, quando sobra alguns trocados. Nem durante o sono é capaz de sonhar. Os sonhos esquecem de aparecer pra ele à noite. Ele é todo feito de invisibilidades. Uma vez tentaram lhe tirar uma fotografia e por incrível que pareça não se viu nem sombra de gente. Até em foto teima em não aparecer. Ele vive sozinho em seu descaminho e desconhece o significado da palavra amor. Desconfia que esse negócio de amor só acontece mesmo com gente que existe de verdade. Uma vez viu uma moça tão bonita que o seu coração desandou a disparar. Bateu tão forte dentro da camisa que ele achou que ia enfartar. Tomou dois comprimidos e nunca mais voltou a pensar em amor. P. não teme a morte. Tem medo é da própria vida. E vive pedindo desculpas por existir. Presta deferência aos outros como se todos os outros fossem maiores do que ele. Sabe que sua morte será tão discreta quanto a sua (in)existência. Ele pretende se despedir da vida bem de mansinho, sem fazer muito alarde. Um dia ele simplesmente fecha o olho e não volta a abrir.

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